enquanto chove

    Sento-me como se estivesse escrevendo um bilhete às pressas. E talvez até possa estar; escrevendo para o mundo as linhas corridas que mesmo velozes não conseguem ultrapassar os meus pensamentos. Meus batimentos cardíacos são uma mistura de ritmos. Tão harmônicos quanto o meu humor. O que me diria o tempo se eu o fizesse parar para o chá das 5? Pois o meu chá das 5 é ao nascer do Sol, e não à luz perfeita do dia que se finda. 
    Talvez o rio corra com mais agilidade nas curvas, obstáculos encontrados ao longo da descida crucial para a prova do que se é. E talvez assim seja o meu pensamento, reacionário reverso ao modo como o meu corpo se ajeita, se estreita, se reduz ao desconforto: a pressa que induz o vômito daquilo que não sabe se quer ou não ser jogado fora. O frenesi de fluir é: o prazer em conseguir cuspir à longa distância. Êxtase também é ouvir o som agudo das cordas embaladas pelos sentimentos em dias dos quais nada se espera: chuva ou Sol, vento ou mormaço. Entregar-se à libido da tranquilidade, moldar-se ao horário sem se preocupar com o que diz a mente, envolver o corpo - em repouso - numa orquestra de uma alma só. 
    Se retirar para dentro da caixa de papelão preta é um dos meus jeitos de buscar evoluir; em silêncio medito sobre o que passa e ignoro o que vem. Manoel de Barros* uma vez disse que "a língua era incorporante" e de fato: integra o que a alma induz ao corpo em que reside. Vivo em constante desentendimento, alma e corpo. Em alguns momentos sou apenas plateia que assiste ao debate. Quando entro na arena tenho grandes chances de tender ao desastre. Ganho de forma desengonçada, perco com sarcasmo. 
    Hoje chove. A chuva para mim é um imã, meu corpo entende, minha alma se atrai. A altura é onde descanso, a escalada é a aventura, o cansaço é o êxtase. E este é o meu jeito de fluir, movida pela ânsia de não repousar, pela necessidade de conhecer e pela rotina de aspirar à viver.






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meu nome é Luria. sou discípula de manoel de barros e um beco sem saída com histórias guardadas no peito pra serem descarregadas, ora em palavras, ora em imagens.

15 comentários:

  1. Eu vivo em constante desentendimento comigo mesma. Mas acho que é isso que nós faz ser autênticas e únicas.
    Nem sei o que dizer sobre tão belas palavras desse texto.

    Beijos

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  2. Só tenho uma coisa a dizer: Sem palavras!
    Você escreve muito bem e usa bastante figuras de linguagem! Parabénsss
    Seu blog tem muito conteúdo, estou seguindo!

    http://8-particular.blogspot.com.br/

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  3. Oi Luria,
    Um texto rico em informações.
    Adorei e me vi em varias citaçoes.
    Estarei voltando.
    Bom final de semana
    Beijos

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  4. Menina, que poder com as palavras tú tens.
    Texto muito bem escrito. Parabéns.

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  5. Fez-me recordar de uma personagem do livro que li recentemente "A comédia dos anjos"
    a moça que achava que era duas e essas duas viviam a discutir dentro dela... O livro é bom, o seu texto também, me traz um pouco o meu próprio reflexo. Tudo que eu sei é que me junto justamente na parte desconexa das coisas.

    Beijos.
    eraoutravezamor.blogspot.com

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  6. Também vivo com essa luta "alma-corpo" e atualmente também tenho tentado ignorar o que corre nas minhas veias. Me identifiquei demais com o texto, que está muito, muito, muito bem escrito! Parabéns mesmo!

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  7. Achei perfeito seu texto, e como cada palavra se encaixa perfeitamente! Ficou muito profundo e bem escrito.. parabéns, de verdade... sem palavras aqui!

    Um grande abraço..

    www.sentimentosingelo.com.br

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  8. Nossa que delícia de texto. Sabe o que é começara ler e não desgrudar até o final!
    Parabéns!

    Ah, tenho uma novidade lá no blog!
    Passa lá se puder: www.vidacomplicada.com

    Beijão

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  9. Gostei muito do seu cantinho. Quanto ao post, "Vivo em constante desentendimento, alma e corpo" me define.

    Bjs! Virei aqui sempre que puder (perdão por demorar em responder. Meus afazeres me limitam)

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  10. Que texto incrível! Super me identifiquei.

    naoseavexe.blogspot.com

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  11. Cara, vai parecer um comentário clichê e superficial, mas não é. Eu li o texto inteirinho de cabo a rabo, em voz alta até. Absorvi várias das tuas linhas, porque elas tem uma dureza-leve na medida que são escritas, uma urgência tranquila, sei lá definir. É esse o fato. Eu li, eu curti, mas não sei definir. Não sei o que dizer.

    Adoro quando me roubam a fala.

    'xêro.

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  12. Conforme eu lia, havia uma linha sinuosa correndo pela minha mente. Não sei o que senti, mas era como dirigir por uma rodovia cheia de curvas e movimentada de olhos fechados. Lindo, eu jamais conseguiria me expressar de uma forma tão bonita. Parabéns :)

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  13. Estou encantada com o texto! Veio em boa hora: poucos momentos meus combinariam tanto com essa leitura! É, estou me sentindo muito confusa, agora mesmo estou num conflito interno tão grande: mente oscilando na avaliação entre certo e errado, corpo tropeçando para conseguir acompanhar o caos... Pois é. Fico com estes seus pensamentos, então, pra me consolar nesse dia!

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